Os ciganos estão presentes no Brasil desde 1574, quando João Torres, um forjador de armas português da etnia kalón, foi deportado para cá com sua mulher. Ao longo da história da colônia, há relatos de muitos ciganos deportados da Europa que se estabeleceram aqui, em especial no Rio de Janeiro e em Minas Gerais no século 16.
Com seu estilo de vida nômade e desconectado das tradições cristãs, os povos ciganos despertaram brutal preconceito e variadas perseguições por parte das autoridades e da Igreja, sendo famosos os confrontos com a polícia na região das minas. Apenas no século 18 tiveram algum reconhecimento por conta do Romantismo, movimento que os enfocava sob uma luz de mistério e sedução.
Por incrível que pareça nessa nossa era de tanta informação, até hoje pouco se sabe desse povo múltiplo, que tem vários idiomas mas não grafa nenhum deles, se espalha pelo país em cerca de seis mil acampamentos e soma 250 mil pessoas.
Exatamente por isso a Editora Malagueta achou tão interessante publicar uma história de amor da autoria de uma jovem cigana, Lara Orlow, que conta um pouco como é viver em um acampamento, quais são as tradições de sexo e casamento – medievais! – e o modo de pensar de ciganos que transitam entre as capitais brasileiras hoje em dia, em picapes e fazendo ligações clandestinas para assistir televisão.
Os caminhos de Lumia mostra também como a homossexualidade é tratada entre os ciganos, contando uma história de amor entre mulheres sensual e movimentada, digna de se tornar um filme.
Sobre a autora
Lara vive no interior de São Paulo, na cidade de Itapetininga, em uma pequena chácara, com seu amor, sua filha humana, Gabriela, sua filha felina, Cassandra e sua filha ave, Luanary. Se dedica ao plantio de mudas de eucalipto para reflorestamento nas horas vagas e dá aulas de dança cigana para meninas da região.
De origem cigana, moldovana por parte de pai e kalin por parte de mãe, já realizou diversas ações sociais para a inclusão e o reconhecimento do seu povo na sociedade gadje. Atualmente trabalha em acampamentos de ciganos nômades junto à CERCI (Centro de Estudos e Resgate da Cultura Cigana), como palestrante e multiplicadora no projeto “Mulher Cigana: Entre o Sonho e a Realidade”, patrocinado pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos. É estudande de Letras (Universidade Norte do Paraná), de Filosofia e de PNL - Programação Neuro Linguistica.
Trecho
Fui caminhando entre as barracas e uma visão me chamou a atenção. Meu coração, que batia tão forte, parou. O ar sumiu de minhas narinas. Fiquei imóvel, estática. As mãos ficaram molhadas de suor no mesmo instante. Eu não podia sequer me mover, porque tinha medo de a visão desaparecer no ar, como se fosse feita de fumaça.
Lá estava ela. A minha ciganinha. Minha Lumia. Meu Deus! Que visão linda, que sensualidade! Ela era encantadora de qualquer maneira. Estava de costas para mim, eu a reconheci por causa do cabelo. Muito longo, parecia estar até maior do que antes, os cachos largos, bem abertos, totalmente desalinhados, revoltos ao vento. Ela estava atrás de uma das barracas, sozinha, era o melhor momento para vê-la sem que ninguém pudesse perceber minhas inusitadas reações.
Eu parecia uma adolescente vendo o ser amado pela primeira vez. Aliás, note-se que, sempre que eu a via, era como se fosse a primeira vez. Independentemente de nos relacionarmos ou não, posso garantir com certeza absoluta que a minha cigana é, foi e será o grande amor da minha vida.
Ela estava de costas para mim, meio na diagonal, de forma que eu podia vê-la de perfil, dependendo do movimento que fazia com a cabeça. Estava fazendo alguma coisa que a princípio não soube o que era, só me dando conta quando a vi mexendo na água dentro de uma grande tina à sua frente.
Estava agachada, de cócoras, com as pernas abertas e sua saia de retalhos com as pontas dos lenços entrelaçada entre as cochas, deixando as pernas totalmente à mostra: ela estava lavando roupa. Seus movimentos pesados faziam com que a água respingasse nela, deixando-a com parte do corpo molhado, como se tivesse tomado uma leve chuva. Os cabelos soltos caíam na frente do rosto e ela jogava a cabeça para trás a fim de tirá-los dos olhos. As pernas morenas cada vez mais à mostra, cheias de respingos d’água. Usava uma regata solta, de alças finas, sem sutiã, eu podia ver todo o contorno dos seios, como eram bem-feitos. Conforme abaixava para pegar alguma peça de roupa, dava para vê-los quase saindo da blusinha, os braços delicados mergulhando na tina de água e saindo em seguida com alguma peça de roupa, o rosto avermelhado por causa do sol.
Fiquei ali estatelada, não conseguia ir nem vir. Linda! Simplesmente linda! Selvagem, sensual, numa tarefa tão cotidiana, mas que nela ficava tão completamente exótica que minha vontade era entrelaçar as mãos nos longos cabelos, para em seguida levantá-la à força e mergulhar a boca naqueles seios úmidos de água. Eu queria erguer a saia e apertar com força a coxa bem torneada e possui-la ali, com fúria mesmo, exatamente atrás da barraca.
Por falar em fúria, fui tomada de uma tremenda onda naquele momento. Mas não uma fúria de braveza, não, era uma fúria de paixão mesmo. Fiquei excitadíssima ao vê-la agachada daquela forma, seminua, os seios praticamente à mostra, os cabelos soltos ao vento. Fiquei fora de mim.
Se a Gina não chegasse naquele momento, eu teria puxado a cigana e pelo menos dava um beijo.
Pois é, a Gina chegou correndo atrás de mim, foi como um balde de água fria. Chegou gritando meu nome, me desconcertei. A Lumia se virou abruptamente. Ela não tinha me visto ali e a Gina – muito obrigada, Gina! – fez um escândalo tão grande que ela soube que eu tinha estado ali algum tempo, observando-a.
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