Dedicatória deste livro e sua significação religiosa
“E, ao fim, quando baixei novamente à planície e da planície, após, desci aos vales meus, meus olhos viram, num deslumbramento, que também nas planícies e nos vales, em tudo, estava Deus.”
Gibran Khalil Gibran
Tradução de Judas Isgorogota, Os que vêm de longe. São Paulo, 1954, pág. 153.
Todas as notas que figuram neste apêndice são da autoria do professor Breno Alencar Bianco.
Em relação à dedicatória que figura neste livro, parece-me interessante dar aos leitores os seguintes esclarecimentos:
O matemático brasileiro Henrique César de Oliveira Costa (1879-1949), apelidado Dr. Costinha, que exerceu a cátedra no Colégio Pedro II, considerava a dedicatória deste livro como “a página mais original que se apresentou, até agora, no imenso campo literário da matemática”.
Referindo-se à dedicatória de O Homem que Calculava, escreveu o erudito economista argentino, Professor José González Galé:
“O conteúdo altamente filosófico dessa estranha dedicatória, pelos nomes famosos que envolve, ê uma das lições mais surpreendentes de simplicidade e tolerância religiosa que tenho lido em toda a minha vida”.
Oito são os geômetras que M. T. distinguiu, de forma muito original, na dedicatória deste livro.
Vamos apresentar, sobre esses oito vultos notáveis da ciência, rápidas indicações biográficas.
René Descartes, geômetra e filósofo francês (1595-1650). Estranhamente original em todos os ramos da ciência. Criador da geometria analítica. Na Antologia da matemática, poderá o leitor encontrar a biografia desse imortal pesquisador dos domínios abstratos. Era cristão.
Blaise Pascal, geômetra e filósofo francês (1623-1662). Deixou um traço profundo de sua genialidade na geometria: o célebre teorema de Pascal. Inventou, antes de qualquer outro, a primeira máquina de calcular. E apontado como um dos fundadores do cálculo das probabilidades. Era cristão católico.
Isaac Newton, astrônomo e matemático inglês (1642-1727). Formulou a lei da gravitação universal. Para um estudo completo da vida de Newton, convém ler Antologia da matemática. Era cristão protestante.
Gottfried Wilhelm von Leibniz, matemático e filósofo alemão (1646-1716). Lançou os fundamentos do cálculo diferencial. Era cristão protestante.
Leonardo Euler, matemático suíço (1707-1783). O mais fecundo dos geômetras. Calcula-se que tenha escrito cerca de mil e duzentas memórias sobre questões da ciência. Era cristão protestante.
Joseph-Louis Lagrange, matemático francês, mas italiano de nascimento(1736-1813). Verdadeiramente genial em suas pesquisas em todos os quadrantes da ciência. Elaborou a famosa Mecânica analítica, um dos marcos no progresso da matemática. A mais nobre e a mais abstrata das ciências, em honra desse notável analista, é denominada “ciência de Lagrange”. Era cristão católico.
Augusto Comte, filósofo e matemático francês (1798-1857). Fundador do Positivismo. O seu Curso de filosofia positiva pode ser apontado como uma das obras capitais da filosofia no século XIX. Era agnóstico. A sua Geometria analítica foi de alto relevo para o progresso da matemática.
Al-Kharismi, matemático e astrônomo persa. Viveu na primeira metade do século IX. Contribuiu Al-Kharismi, de forma notável, para o progresso da matemática. A ele devemos, entre outras coisas, na grafia dos números, o sistema de posição, isto é, o sistema no qual cada algarismo tem um valor conforme a posição que ocupa no número. Era muçulmano. Para o árabe muçulmano, a denominação de infiel é dada a todo indivíduo não-muçulmano, isto é, ao indivíduo que não aceita os dogmas do Islã e não segue a trilha do Alcorão, que é o Livro de Allah. Dentro da ortodoxia islâmica serão, portanto, apontados como infiéis os seguintes geômetras: Descartes, Pascal, Newton, Leibniz, Euler, Lagrange e Comte.
Temos, assim, sete infiéis. Os seis primeiros, cristãos, e o último, agnóstico.
Um muçulmano piedoso, sincero, quando se refere a um infiel (cristão,idolatra, pagão, judeu, agnóstico ou ateu), isto é, quando cita o nome de um servo de Allah que viveu no erro, nas trevas do pecado (depois da revelação do Alcorão), por não ter sido esclarecido pela fé muçulmana, acrescenta este apelo:
- Allah se compadeça desse infiel!
Ou recorre a esta fórmula, que é, igualmente, piedosa:
- Com ele (o infiel) a misericórdia de Allah!
Aceitam os muçulmanos, como dogma, que o infiel, depois da vitória do Islamismo, tendo vivido na heresia, longe da verdade, estará, fatalmente, depois da morte, condenado às penas eternas. É preciso, pois, implorar sempre para os infiéis (especialmente para os sábios), a clemência infinita de Allah, o Misericordioso.
Uma observação de alto relevo pode ser feita aqui: Nos domínios da história da ciência, as palavras “árabe” e “muçulmano” devem ser tomadas com sentido muito mais amplo. A maioria dos homens cultos, que floresceram no mundo islâmico, sob a proteção dos soberanos muçulmanos, não eram árabes de nascimento, e muitos nem sequer eram muçulmanos.
Cf. Sir Tomas Arnold e Enrique de Taguá, El legado del Islam, Madri,1947, pág. 493.
A denominação de “agnóstico” é dada ao indivíduo que professa o agnosticismo. Agnosticismo é a corrente filosófica que leva o indivíduo a não tomar conhecimento dos problemas relacionados com a metafísica. E assim, em relação à existência de Deus, por exemplo, o agnóstico não afirma, mas também não nega. Considera tal problema fora do alcance da razão humana. É um problema (afirma o agnóstico) que transcende à capacidade do nosso pensamento. A verdade absoluta (para o agnóstico) é incognoscível. Há, portanto, profunda diferença entre o ateu e o agnóstico. Vara a pergunta “Deus existe?”, o ateu responde “Não!” O agnóstico será incapaz de tal negativa e diz, apenas: “Não sei! A minha inteligência é fraca para esclarecer essa dúvida”. O termo “agnóstico” foi criado pelo naturalista inglês Thomas N. Huxley (1825-1895).
As relações entre o Islã e o Cristianismo são bem esclarecidas no livro de frei Jean Abd-el-Jalil, O. F. M., Cristianismo e Islã, Madri, 1954.
Alcorão, XVII, 110.
“A matemática é um método geral do pensamento aplicável a todas as disciplinas e desempenha um papel dominante na ciência moderna.” Antônio Monteiro.
Matemático português, Cf. Gazeta de Matemática, Dezembro, 1944, pág. 11.
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