terça-feira, 3 de agosto de 2010

Código da VINCI - capítulo 20

sobre o fator PI = 1.618...

Sophie e Langdon emergiram das sombras e avançaram furtivamente pela galeria deserta em direção à escada de incêndio. Enquanto caminhava, Langdon sentiu-se como se estivesse tentando montar um quebra-cabeças às escuras. O aspecto mais recente daquele mistério era profundamente perturbador: o capitão da Polícia Judiciária está tentando atirar para cima de mim uma falsa acusação de assassínio.
- Acha - sussurrou -, que pode ter sido o Fache que escreveu a mensagem no chão?
Sophie nem sequer se voltou.
- Impossível.
Langdon não estava assim tão seguro.
- Parece muito decidido a me fazer passar por culpado. Talvez tenha pensado que escrever o meu nome no chão ajudasse.
- A sequência Fibonacci? O P.S.? Todo aquele simbolísmo de da Vinci e do sagrado feminino? Foi com toda certeza o meu avô.
Langdon sabia que ela tinha razão. O simbolismo das pistas ajustava-se muito perfeitamente: o pentáculo, O Homem de Vitrúvio, da Vinci, a Deusa, e até a sequência Fibonacci. Um conjunto simbólico coerente, como lhe chamariam os iconólogos. Tudo inextrincavelmente ligado.
- E o telefonema para mim, esta tarde - continuou Sophie. - Disse que tinha uma coisa para me contar. Tenho certeza de que a mensagem no chão foi o seu último esforço para me dizer qualquer coisa importante, qualquer coisa que achava que você, senhor Langdon, poderia me ajudar a compreender.
Langdon franziu a testa. Ó, draconiano demônio! Oh, santo imperfeito! Bem gostaria de compreender a mensagem, tanto por Sophie como por si mesmo. As coisas tinham sem dúvida piorado desde que vira pela primeira vez as críticas palavras. O falso salto da janela do banheiro não ia contribuir nem um pouco para aumentar-lhe a popularidade junto de Fache. Duvidava que o capitão da Polícia francesa visse a piada de perseguir e prender um sabonete.
- Estamos quase chegando à porta - anunciou Sophie.
- Acha que há alguma chance dos números da mensagem do seu avô conterem a chave para a compreensão das outras linhas?
Langdon trabalhara em tempos com uma série de manuscritos de Bacon que continham cifras epigráficas nas quais certas linhas codificadas eram pistas que permitiam que se decifrassem outras.
- Tenho estado toda a noite pensando nos números. Somas, quocientes, produtos. Não vejo nada. Matematicamente, estão dispostos de uma forma aleatória. Algaravia criptográfica.
- E no entanto, fazem todos parte da sequência Fibonacci. Não pode ser coincidência.
- É não é. Usar os números Fibonacci foi mais uma maneira que o meu avô arranjou de me acenar com uma bandeira... como escrever a mensagem em inglês, ou dispor-se a si mesmo como a minha obra de arte preferida, ou desenhar um pentáculo na barriga. Tudo isso se destinava a chamar a minha atenção.
- O pentáculo significa alguma coisa para você?
- Sim. Não tive chance de dizer, mas o pentáculo foi um símbolo especial entre mim e o meu avô quando eu estava crescendo. Costumávamos jogar cartas tarô, por brincadeira, e a minha carta indicadora era sempre do naipe de pentáculos. Tenho certeza de que ele trapaceava, mas os pentáculos acabaram por tornar-se uma espécie de brincadeira entre nós.

Langdon sentiu um arrepio. Jogavam tarô? O jogo de cartas italiano da Idade Média estava tão carregado de simbolismo herético escondido que Langdon lhe dedicara um capítulo inteiro do seu novo manuscrito. As vinte e duas cartas do baralho tinham nomes como A Papisa, A Imperatriz e A Estrela. Originariamente, o tarô fora concebido como um meio secreto de transmitir ideologias proibidas pela Igreja. Nos tempos modernos, as qualidades místicas das cartas eram interpretadas pelos videntes.

No tarô, o naipe indicador da divindade feminina são os pentáculos, pensou Langdon, compreendendo que se Jacques Saunière fazia, por brincadeira, trapaça com o baralho da neta, então o pentáculo se tivesse tornado uma espécie de piada privada. Chegara à saída de emergência e Sophie abriu cuidadosamente a porta. Nenhum alarme tocou. Só as portas exteriores estavam ligadas ao sistema de vigilância. Começaram a descer, cada vez mais depressa, uma estreita escada metálica.
- Quando o seu avô - disse Langdon, quase correndo atrás dela - lhe falou do pentáculo, fez alguma referência ao culto da deusa ou a qualquer ressentimento contra a Igreja Católica?
Sophie abanou a cabeça.
- Não, estava mais interessado nos aspectos matemáticos... a Proporção Divina, PHI, as sequências Fibonacci, esse gênero de coisas.
Langdon ficou surpreso.
- O seu avô lhe falou a respeito do número PHI?
- Claro. A Proporção Divina. - Fez um ar ligeiramente embaraçado. - Até costumava dizer, na brincadeira, que eu era meio divina... por causa das letras do meu nome, está vendo?
Langdon pensou por um instante, e resmungou para si mesmo.
s-o-PHI-e.

Ainda descendo a escada, concentrou-se no número PHI. Começava a compreender que as pistas de Saunière eram ainda mais consistentes do que de início julgara.

Da Vinci... os números Fibonacci... o pentáculo.
Incrivelmente, todas aquelas coisas estavam ligadas por um único conceito tão fundamental para a História da Arte que Langdon dedicava com frequência várias aulas ao tema.
PHI.
Subitamente, viu-se de novo em Harvard, diante da turma de "Simbolismo na
Arte", escrevendo no quadro o seu número preferido. 1.618


Voltou-se para o mar de rostos interessados.
- Quem sabe dizer-me que número é este?
Um aluno do curso de Matemática, sentado numa das últimas filas, levantou o braço.
- É o número PHI. - Pronunciava-o como fi.
- Muito bem, Stettner - disse Langdon. - Senhoras e senhores, apresento-lhes o PHI.
- Não confundir com PI - acrescentou Stettner, sorrindo. - Como nós, matemáticos, costumamos dizer...
Calou-se quando os outros alunos se voltaram para ele com expressões irritadas.
- Este número PHI - continuou Langdon -, um-ponto-seis-um-oito, é um número muito importante na arte. Quem sabe dizer-me porquê?
- Por ser tão bonito? - arriscou Stettner, tentando redimir-se. Todos riram.
- A verdade - disse Langdon -, é que Stettner voltou a acertar. PHI é de um modo geral considerado o número mais bonito do universo.
Os risos cessaram abruptamente e Stettner sorriu de orelha a orelha.

Enquanto carregava o projetor de slides, Langdon explicou que o número PHI derivava da sequência Fibonacci, uma sequência famosa não só por a soma de dois termos adjacentes ser igual ao termo seguinte, mas também por os quocientes de dois termos adjacentes terem a surpreendente propriedade de se aproximarem de 1.618: PHI!

A despeito da aparente origem místico-matemática, explicou Langdon, a faceta verdadeiramente extraordinária do número PHI era o seu papel como elemento constitutivo fundamental da natureza. Plantas, animais e até seres humanos, todos possuíam propriedades dimensionais que obedeciam com uma espantosa exatidão à razão de PHI para 1.

- A ubiquidade do número PHI na natureza - continuou Langdon, apagando as luzes - excede claramente a coincidência, e por isso os Antigos assumiram que tinha sido preordenado pelo Criador do Universo. Os primeiros cientistas chamavam a um-ponto-seis-um-oito a Proporção Divina.
- Um momento - pediu uma jovem sentada na primeira fila. A minha nuclear é Biologia e nunca vi essa Proporção Divina na natureza.
- Não? - Langdon sorriu. - Alguma vez estudou a relação entre machos e fêmeas em uma comunidade de abelhas?
- Claro. As fêmeas são sempre em maior número do que os machos.
- Correto. E sabia que se dividir o número de fêmeas pelo número de machos em qualquer colméia do mundo, chega sempre ao mesmo número?
- Palavra?
- PHI.
A jovem abriu muito a boca, incrédula.
- IMPOSSÍVEL!
- Muito possível! - respondeu Langdon, sorrindo enquanto projetava a imagem de uma concha em espiral. - Reconhece isto?
- É um náutilo - respondeu a aluna de Biologia. - Um molusco cefalópode que bombeia gás para dentro da concha compartimentada a fim de regular a flutuabilidade.
- Exato. E é capaz de calcular a razão entre o diâmetro de cada espiral e o da seguinte?
A jovem pareceu insegura, examinando os arcos concêntricos da concha do náutilo.
Langdon assentiu.
- PHI. A Proporção Divina. Um-ponto-seis-um-oito. Passou para o slide seguinte:
um grande plano da cabeça de uma semente de girassol.
- As sementes de girassol crescem em espirais opostas. É capaz de calcular a razão
entre o diâmetro de cada rotação e o seguinte?
- PHI? - disse a turma, em coro.
- Bingo. - Langdon começou a passar rapidamente diversos slides... pétalas espiraladas, segmentos de insetos, disposição das folhas no caule de uma planta... em que se revelava, sem excepção, uma surpreendente obediência à Proporção Divina.

- Isto é espantoso! - exclamou alguém.
- Pois é - admitiu uma outra voz -, mas o que é que tem a ver com arte?
- Ah! - disse Langdon. - Ainda bem que alguém pergunta. Projetou um novo alide, um pergaminho amarelado no qual estava representado o famoso nu de Leonardo da Vinci, O Homem de Vitrúvio, assim chamado em honra de Marcus Vitruvius, o brilhante arquiteto romano que exaltou a Proporção Divina no seu texto De Achitectura. - Ninguém compreendeu melhor do que da Vinci a estrutura divina do corpo humano. Da Vinci chegava ao ponto de exumar cadáveres para poder estudar as proporções da estrutura óssea do ser humano. Foi o primeiro a mostrar que o nosso corpo é literalmente formado por blocos constitutivos cuja razão proporcional é sempre igual a PHI.
A turma inteira dirigiu-lhe um olhar carregado de dúvida.
- Não acreditam? - desafiou-os Langdon. - Da próxima vez que forem para o banho, levem uma fita métrica.
Um par de jogadores de futebol fez um risinho trocista.
- Não me refiro apenas aos infelizes atletas, tão cheios de inseguranças - continuou Langdon.
- Todos vocês. Rapazes e garotas. Experimentem. Meçam a distância do topo da sua cabeça até ao chão. Então dividam esse valor pelo da distância do seu umbigo até ao chão. Adivinhem que número vão obter.
- Não me diga que é PHI! - exclamou, incrédulo, um dos jogadores.
- Digo, sim senhor - respondeu Langdon. - PHI. Um-ponto-seis-um-oito. Querem outro exemplo? Meçam a distância do ombro às pontas dos dedos, e então dividam-na pela distância do cotovelo às pontas dos dedos. Outra vez PHI. Mais uma? Anca ao chão dividida pelo joelho ao chão. PHI. Articulações dos dedos das mãos. Dos pés. Divisões espinais. PHI, PHI, PHI. Meus amigos, cada um de vocês é um tributo ambulante à Proporção Divina.

Mesmo no escuro, Langdon via as expressões espantadas dos estudantes. Sentiu uma satisfação familiar aquecê-lo por dentro. Era Por aquilo que ensinava.
- Como vêem, o caos do mundo tem uma ordem subjacente. Quando os Antigos descobriram o número PHI, tiveram certeza de que tinham encontrado o tijolo que Deus usara para construir o mundo, e veneraram a natureza por causa disso. E é fácil compreender porquê. A mão de Deus é evidente na Natureza, e ainda hoje subsistem religiões pagãs que adoram a Mãe-Terra. Muitos de nós celebramos a Natureza do mesmo modo que os pagãos faziam, sem sequer darmos por isso. O Primeiro de Maio é um exemplo perfeito, a celebração da Primavera... da terra regressando à vida para produzir a abundância. A misteriosa magia inerente à Proporção Divina foi escrita no início dos
tempos. O homem limita-se a jogar segundo as regras da Natureza, e porque a arte é a sua tentativa de imitar a beleza da mão do Criador, podem imaginar que vamos ver muitos
exemplos da Proporção Divina ao longo deste semestre.

Durante a meia hora seguinte, mostrou-lhes diapositivos de obras de Miguel Angelo, Albercht Durer, da Vinci e muitos outros, demonstrando a obediência intencional e rigorosa de todos estes artistas à Proporção Divina na disposição das respectivas composições. Mostrou a presença do número PHI no Pártenon de Atenas, nas pirâmides do Egito e até no edifício das Nações Unidas em Nova Iorque. O número PHI aparecia na estrutura organizacional das sonatas de Mozart, na 5ª Sinfonia de Beethoven, nas obras de Bartók, Debussy e Schubert. O número PHI, disse Langdon aos seus alunos, fora inclusivamente usado por Stradivarius para calcular a localização exata dos espelhos nos seus famosos violinos.

- Para terminar - disse, dirigindo-se ao quadro -, voltamos aos símbolos. - Traçou cinco linhas que se interceptavam para formar uma estrela de cinco pontas. - Este símbolo é uma das imagens mais poderosas que vão ver este semestre. Formalmente conhecido como pentagrama... ou pentáculo, como lhe chamavam os Antigos... é considerado por muitas culturas simultaneamente divino e mágico. Alguém sabe me dizer porquê?
Stettner, o matemático, levantou a mão.
- Porque, se traçar um pentagrama, as linhas dividem-se automaticamente em segmentos de acordo com a Proporção Divina.

Langdon dirigiu-lhe um orgulhoso aceno de cabeça.
- Muito bem. É verdade, as razões dos segmentos lineares num pentáculo são todas iguais a PHI, o que faz deste símbolo a expressão perfeita da Proporção Divina.

Por esta razão, a estrela de cinco pontas sempre foi o símbolo da beleza e da perfeição associadas à deusa e ao sagrado feminino.
Foi a vez de as garotas da turma sorrirem de orelha a orelha.
- Uma nota, minha gente. Hoje nos limitamos a tocar ao de leve em da Vinci, mas vamos falar muito mais a respeito dele ao longo do semestre. Leonardo era um devoto muito bem informado sobre os antigos usos da deusa. Amanhã, mostrarei o seu fresco. A Última Ceia, que é um dos mais espantosos tributos ao sagrado feminino que alguma vez terão oportunidade de ver.
- Está brincando, não está? - perguntou alguém. - Pensava que A Última Ceia tinha a ver com Jesus!
Langdon piscou-lhe um olho.
- Há símbolos escondidos em lugares que nem imaginam.

- Vamos - sussurrou Sophie. - O que está acontecendo? Estamos quase lá. Depressa!
Langdon olhou para cima, sentindo-se como que regressado de pensamentos muito distantes. Percebeu que tinha parado no meio da escada, paralisado por uma súbita revelação.
O draconiano demônio! Oh, santo imperfeito!
Sophie estava olhando para ele.
Não pode ser assim tão simples, pensou Langdon.
Mas, claro, sabia que era.
Ali, nas entranhas do Louvre, com imagens de da Vinci e do PHI revoluteando-lhe pela cabeça, Robert Langdon súbita e inexplicavelmente decifrou o código de Saunière.
- O draconian devil! Oh, lame saint! - disse. - É um código simplicíssimo!
Sophie estava parada na escada alguns degraus mais abaixo, olhando para ele cheia de confusão. Um código? Estivera pensando toda noite naquelas palavras e não vira qualquer código. Sobretudo simplicíssimo.
- Você mesma disse. - A voz de Langdon vibrava de excitação. - Os números Fibonacci só têm significado na ordem correta. De outro modo, são algaravia matemática.
Sophie não fazia a menor idéia do que estaria ele falando. Os números Fibonacci?
Tinha certeza de que o avô só os escrevera para garantir que o Departamento de Criptologia seria chamado a intervir. Têm outro propósito? Enfiou a mão no bolso e tirou de foto, voltando a examinar a mensagem do avô:
13-3-2-21-1-1-8-5
O, Draconian devil!
Oh, lame saint!
O que é que têm os números?
- A sequência Fibonacci desordenada é uma pista - disse Langdon, pegando o papel.
- Os números indicam como decifrar o resto da mensagem. Escreveu a sequência fora de ordem para nos dizer que aplicássemos o mesmo conceito ao texto. Ó, draconian devil? Oh, lame saint? Estas linhas não têm qualquer significado. São apenas letras escritas fora de ordem.
Bastou um instante a Sophie para compreender o que Langdon queria dizer, e era ridiculamente simples.
- Acha que esta mensagem é... une anagramme? - Olhou para ele. - Como as charadas nos jornais?
Langdon viu espelhado no rosto de Sophie um ceticismo que não teve dificuldade em compreender.

Poucas pessoas sabiam que os anagramas, apesar de serem um vulgar passatempo moderno, tinham uma rica história de simbolismo sagrado. Os ensinamentos místicos da cabala recorriam constantemente aos anagramas - rearranjando as letras do alfabeto hebraico para conseguir novos significados.

Os reis franceses da Renascença estavam tão convencidos do poder mágico dos anagramas que
nomeavam anagramistas reais para os ajudarem a tomar as melhores decisões analisando as palavras dos documentos. Os Romanos iam ao ponto de referir-se ao estudo dos anagramas como ars magna – “a grande arte”.

Langdon prendeu com os seus os olhos de Sophie.
- O que o seu avô queria dizer esteve sempre diante dos nossos olhos, e ele deixou-nos pistas mais do que suficientes para que pudéssemos vê-lo.

Sem mais uma palavra, tirou uma caneta do bolso e redispôs as letras de cada linha.
O, Draconian devil!
Oh, lame saint!
era o anagrama perfeito de...
Leonardo da Vinci!
The Mona Lisa!

NT- Por razões que se tornarão patentes mais adiante, é essencial que esta e outras
mensagens de Jacques Saunière apareçam aqui tal como ele as escreveu: em inglês. As
traduções serão dadas no próprio texto ou, quando necessário, em nota de rodapé. Notese,
por ser importante, que a forma «find» é igual para vários tempos verbais. Assim, na
ausência do sujeito da frase, nem mesmo um inglês pode saber se significa “encontrar”,
“encontra”, “encontre” ou “encontrem’

Nenhum comentário: