terça-feira, 3 de agosto de 2010

A GRANDE HERESIA - O Segredo da Identidade do Cristo

Lynn Picknett & Clive Prince

CAPÍTULO XVI
A Grande Heresia

Temos consciência de que grande parte do que colocamos nos últimos capítulos deve ter sido um choque para muitos dos leitores, particularmente se não estão familiarizados com os estudos recentes sobre a Bíblia. Afirmar que o Novo Testamento está errado ao apresentar o Batista como alguém subserviente a Jesus, e que o sucessor oficial de João era o mago do sexo e gnóstico Simão Mago, é tão contrário à história "tradicional" que chega a sugerir uma rematada invenção.

Como vimos, porém, muitos estudiosos altamente respeitados do Novo Testa­mento realizaram tais descobertas de forma totalmente independente: nós apenas as coletamos e comentamos.

A maioria dos estudiosos contemporâneos da Bíblia concorda que João Batista era um líder político proeminente, cuja mensagem religiosa de algum modo ameaçava desestabilizar o status quo da Palestina naquela época, e já há muito se reconhece que Jesus era uma figura do mesmo tipo.

Porém, de que modo a dimensão política de sua missão se relaciona com o que revela­mos sobre sua formação nas escolas de mistério egípcias?

Devemos lembrar que a religião e a política eram uma única coisa no mundo antigo, e que qualquer pessoa com carisma para arrastar multidões era automaticamente considerada uma ameaça política pelos poderes instituídos. E a própria multidão buscaria direção no líder, o que provocaria, no mínimo, uma enorme dor de cabeça nas autoridades.A mistura de religião e política era exemplificada no conceito do Rei Divino, ou de César visto como um deus.

Os egípcios acreditavam que os faraós eram deidades a partir do momento da sucessão: começavam como Hórus encarnado, o mágico rebento de Ísis e Os­íris, e ao se concluírem os rituais sagrados da morte eles se tornavam Osíris. Mesmo durante o Império Romano, a família governante do Egito, a dinastia grega dos Ptolomeus - da qual Cleópatra é a figura mais conhecida -, teve o cuidado de manter a tradição do faraó-deus. A Rainha do Nilo identificava-se com a figura de Ísis, e com freqüência era retratada como a deusa.

Um dos conceitos mais duradouros relacionado a Jesus é o de sua re­aleza. "Cristo Rei" é uma expressão usada com freqüência por cristãos, alternadamente com o termo "Cristo Senhor", e embora ambos sejam utilizados simbolicamente, passam ainda a idéia de que ele pertencia à realeza - e a Bíblia concorda.

O Novo Testamento é inequívoco nesse ponto: Jesus era descendente direto do rei Davi, embora a exatidão dessa declaração não possa ser verifica­da. A questão crucial é que ou o próprio Jesus acreditava pertencer a uma linhagem real, ou queria que seus seguidores nisso acreditassem. De qualquer forma, não há dúvida de que Jesus afirmava ser o verdadeiro rei de toda Israel.

Isso pareceria estar em oposição à nossa idéia de que Jesus era de re­ligião egípcia; afinal, por que os judeus dariam ouvidos a um pregador não judeu e, mais do que isso, o aceitariam como seu rei legítimo? Como vimos no Capítulo Treze, muitos seguidores de Jesus achavam que ele era judeu: provavelmente isso era uma parte essencial de seu plano. Entretanto, a questão permanece - por que ele desejaria ser o rei dos judeus? Se estivermos certos, e ele queria restaurar o que acreditava ser a religião original do povo de Israel, trazer de volta ao rígido patriarcado judaico as deusas perdidas do Templo de Salomão, nada melhor do que fincar sua própria imagem nos corações e mentes das massas como seu legítimo governante.

Jesus queria o poder político; talvez isso explique o que ele esperava alcançar ao realizar o ritual de iniciação da crucificação e a subseqüente "ressurreição", através da intervenção de sua sacerdotisa e parceira no casamento sagrado, Maria Madalena. Talvez ele realmente acreditasse que, com sua "morte" e renascimento, tornar-se-ia, assim como os faraós, Osíris, o pró­prio deus-rei. Como um imortal deificado, Jesus teria então poderes terrenos ilimitados.

Porém, algo com certeza deu muito errado.

Como um exercício de aumento de poder, a crucificação foi algo próxi­mo de um fiasco, e provavelmente o esperado afluxo de energia mágica não se materializou. Como vimos, estudiosos como Hugh Schonfield sugerem que Jesus muito provavelmente não morreu na cruz, nem como resultado direto de seus tormentos. Contudo, ele parece ter ficado prostrado, ou de algum modo incapacitado, pois não só a grande arrancada para o poder político não se concretizou como também a Madalena deixou o país, indo para a França. Pode-se especular que sem Jesus, seu protetor, ela repentinamente viu-se ameaçada pelos velhos oponentes, Simão Pedro e seus aliados.

A idéia de que algum judeu teria sido receptivo a um líder não judeu parece à primeira vista muito improvável. Entretanto, esse cenário não é impossível, pois isso de fato aconteceu.

Em sua obra A guerra judaica, Josefo registra que, cerca de vinte anos após a crucificação, uma figura conhecida na história apenas como "o Egíp­cio" entrou na Judéia e reuniu um considerável exército de judeus a fim de derrotar os romanos. Referindo-se a ele como "um falso profeta", Josefo diz:

Chegando esse homem ao país, uma fraude portando-se como um profeta, reuniu cerca de 30.000 simplórios, conduziu-os por todo o deserto até o Monte das Oliveiras, e dali se preparou para entrar à força em Jerusalém, subjugar o exército romano, e tomar o poder supremo tendo seus companheiros de luta como guardiães.

Esse exército foi massacrado pelos romanos sob o comando de Félix (sucessor de Pilatos no governo), embora o Egípcio tenha escapado e sumido para sempre dos registros históricos.

Embora houvesse colônias judias no Egito e portanto esse estrangeiro surgido do nada pudesse afinal de contas ser um judeu, o episódio é ainda assim instrutivo porque alguém que pelo menos era tido como um egípcio foi capaz de reunir um número substancial de judeus em seu próprio país. Outra evidência, entretanto, sugere que esse líder não era judeu: o mesmo personagem é mencionado nos Atos dos Apóstolos (21:38). Paulo acabara de ser resgatado da turba no Templo em Jerusalém e fora colocado sob a "custó­dia de proteção" dos romanos, que estavam claramente em dúvida quanto à sua verdadeira identidade. O capitão da guarda lhe pergunta:

Porventura não és tu aquele egípcio que, nos dias passados, levantaste um tumulto e levaste ao deserto quatro mil sicários?

Ao que Paulo responde: "Sou um judeu, natural de Tarso..."

Esse episódio coloca algumas questões importantes: por que um egípcio se daria ao trabalho de liderar uma revolta palestina contra os romanos? E, talvez ainda mais pertinente, por que os romanos associariam Paulo, um prega­dor cristão, com aquele agitador egípcio? O que poderiam ter eles em comum? Há então um outro ponto significativo: a palavra, traduzida como "assassino" na versão do rei James, é na verdade sicarii , que era o nome dos judeus nacion­alistas mais militantes, notórios por suas táticas terroristas. O fato de terem se reunido em torno da figura de um estrangeiro naquela ocasião, demonstra ser possível que tivessem feito o mesmo no caso de Jesus.

Nossa investigação sobre Maria Madalena e João Batista lançou nova luz sobre Jesus. Agora o vemos de modo radicalmente diferente do Cristo tradicional. Parece haver duas correntes principais de informações sobre ele: uma que o vincula a um passado não judeu - mais especificamente, egípcio ­e outra na qual ele é visto como rival de João. Que quadro surgiria se combinássemos as duas correntes?

Os Evangelhos são muito cuidadosos ao apresentar um Jesus literal­mente divino; portanto, qualquer um, incluindo João, era espiritualmente in­ferior a ele. Mas quando se vê isso como mero artifício de propaganda, a história finalmente começa a fazer sentido.

A primeira grande diferença com relação à história de Jesus comumente aceita é que, suposições à parte, ele de início não foi intitulado Filho de Deus, nem seu nascimento presenciado por anjos celestiais. De fato, a história de seu miraculoso nascimento era em parte um mito completo e em parte "pinçada" do (igualmente mítico) conto do nascimento de João.

Os Evangelhos dizem que a carreira de Jesus começa quando João o batiza, e seus primeiros discípulos são recrutados dentre os seguidores do Batista. E é como um discípulo de João que Jesus aparece nos textos madianitas.

Entretanto, é bastante provável que Jesus fosse membro do círculo ín­timo do Batista, e, embora João nunca o tenha proclamado como o Messias aguardado, o relato deixa transparecer que houve um certo elogio a ele. Há até a possibilidade de que, durante certo tempo, Jesus tenha sido o herdeiro do Batista, mas algo muito sério aconteceu que levou João a pensar duas vezes e nomear, em vez de Jesus, Simão Mago.

Parece ter havido algum movimento de ruptura no grupo de João: pre­sumivelmente foi Jesus quem liderou o cisma. Os Evangelhos registram o antagonismo entre os dois grupos de discípulos, e sabemos que o movimento de João continuou após sua morte, independente do culto de Jesus.

Com certeza houve algum tipo de disputa ou briga de poder entre os dois líderes e seus seguidores: assim indicam as dúvidas de João, na prisão, com respeito a Jesus.

Existem dois enredos possíveis. O cisma pode ter acontecido antes de João ser preso, e foi uma separação súbita e total. Isso é sugerido no Evange­lho de João (3:22-36), mas não nos outros (que se concentram apenas em Jesus após o batismo). A outra hipótese é que, após a prisão de João, Jesus pode ter tentado assumir a liderança - ou por iniciativa própria, ou como legítimo lugar-tenente de João. Porém, por alguma razão, ele não foi aceito pelos seguidores do Batista.

Como vimos, as motivações de Jesus eram aparentemente comple­xas, mas parece inegável que ele conscientemente representou dois dra­mas político-religiosos, um esotérico e outro exotérico - respectivamente a história de Osíris e o profetizado papel do messias judeu. Seu min­istério sugere uma estratégia definida, que foi levada adiante em três es­tágios principais: primeiro, atrair as massas com milagres e curas; segun­do, assim que começassem a segui-lo, fazer discursos prometendo uma Era de Ouro (o "Reino dos Céus") e uma vida melhor; e finalmente leva-­los a reconhecê-lo como o Messias. Em razão da hipersensibilidade das autoridades no que se refere a potenciais subversivos, não resta dúvida de que ele deveria reivindicar o messiado de maneira implícita, em vez de afirmá-lo aberta e ousadamente.

Muitas pessoas hoje aceitam que Jesus tinha uma agenda política, mas isso ainda é considerado secundário em seus ensinamentos. Percebemos que precisávamos contrapor nossa hipótese sobre seu caráter e ambições ao con­texto daquilo que ele pregava. A crença de que ele advogava um sistema éti­co coerente baseado na compaixão e no amor está tão disseminada que é tida como certa. Para quase todo mundo, das mais diferentes religiões, Jesus é o epítome da gentileza e da bondade.

Mesmo que hoje não mais seja visto como o Filho de Deus, ainda é visto como um pacifista, um defensor dos excluídos e amante das crianças. Para os cristãos, e também para uma vasta parcela de não cristãos, Jesus é a pessoa que praticamente inventou a com­paixão, o amor e o altruísmo.

Claro está, entretanto, que não é assim: obvia­mente sempre existiram pessoas boas em qualquer cultura e religião, mas a religião ligada ao culto de Ísis, especificamente, colocava naquela época grande ênfase na responsabilidade pessoal e na moralidade, na preservação dos val­ores familiares e no respeito por todas as pessoas.

Um exame objetivo das histórias dos Evangelhos revela algo completamen­te diferente do coerente professor moral que se acreditava ser Jesus. Mesmo que os Evangelhos sejam efetivamente uma propaganda pró-Jesus, o quadro que eles pintam do homem e seus ensinamentos é inconsistente e evasivo.

Em resumo, os ensinamentos de Jesus conforme apresentados no Novo Testamento são contraditórios.

Por exemplo, se por um lado ele diz a seus seguidores para "dar a outra face" e perdoar seus inimigos, e dar todas suas posses para o ladrão que lhes rouba algo, por outro lado declara: "Não vim trazer a paz, mas a espada". Ele apóia o mandamento honra teu pai e tua mãe mas depois diz:

Se algum vem a mim, e não aborrece seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e até a sua vida, não pode ser meu discípulo.

Seus seguidores eram encorajados a odiar suas próprias vidas, mas ao mesmo tempo lhes era dito para amar seus semelhantes como a si mesmos.

Teólogos tentam explicar essas discrepâncias afirmando que alguns di­tados devem ser tomados de forma literal, outros, porém, de modo metafóri­co. O problema nisso, entretanto, é que a teologia foi inventada para lidar com essas contradições. Os teólogos cristãos partem do pressuposto de que Jesus era Deus. Esse é um exemplo primário de raciocínio circular: para eles, tudo o que Jesus diz deve estar correto porque ele o disse, e ele o disse por que era correto. Entretanto, a teoria cai por terra se Jesus não for o Deus encarnado, e a patente contradição das palavras atribuídas a ele pode ser vista sob uma ótica mais racional.

Os cristãos hoje tendem a pensar que a imagem de Jesus permaneceu inalterada por 2000 anos. Na verdade, hoje ele é visto de modo muito diferente do que há dois séculos atrás, quando se destacava como um juiz severo. Essa visão modifica-se de uma época para outra e de lugar para lugar. Jesus enquanto juiz era a fonte da doutrina que dava apoio a atrocidades como a cruzada contra os cátaros e os julgamentos das bruxas, mas desde a época vitoriana ele tornou-se cada vez mais "o gentil Jesus, brando e humilde". Essas imagens contraditórias só são possíveis porque seus ensinamentos, conforme transmitidos nos Evangelhos, podem significar praticamente qualquer coisa para qualquer homem.

Curiosamente, é essa mesma nebulosa qualidade que pode conter a chave para compreender as palavras de Jesus. Os teólogos tendem a esquecer que ele estava se dirigindo a pessoas de carne e osso e que vivia em um ambiente político real. Por exemplo, seus discursos pacifistas podem ter sido uma tenta­tiva de dissipar as suspeitas das autoridades sobre seu potencial subversivo.

Em razão das agitações daquela época, suas assembléias provavelmente incluíam informantes, e ele precisava tomar cuidado com o que dizia. (Afinal, João fora preso em virtude das suspeitas de que poderia liderar uma rebelião.) Jesus devia então ser bastante cuidadoso: se por um lado precisava conquistar o apoio popular, por outro deveria aparentar que não representava qualquer ameaça ao status quo - pelo menos até que estivesse pronto.

Sempre é importante compreender o contexto de cada coisa que Jesus dizia. Por exemplo, a frase "deixai vir a mim as criancinhas" é quase univer­salmente considerada como um belo exemplo de sua gentileza, acessibili­dade e amor pelos inocentes. Deixando de lado o fato de que políticos astutos sempre beijaram bebês, deve ser lembrado que Jesus gostava de escarnecer das convenções - ele vivia na companhia de uma mulher de moral duvidosa e até mesmo de coletores de impostos.

Quando os discípulos tentaram man­ter as mulheres e crianças atrás, Jesus imediatamente interveio e disse-lhes que passassem à frente. Isso pode ser um outro exemplo de seu prazer em quebrar as convenções ou, simplesmente, em deixar claro para os discípulos que ele era o chefe.

De modo semelhante, quando Jesus diz das crianças:

E quem escandalizar um destes pequeninos que crêem em mim, melhor lhe fora que lhe atassem à roda do pescoço a mó que um asno faz girar, e que o lançassem ao mar.

A maioria das pessoas interpreta isso como uma declaração de seu amor/do amor de Deus pelas crianças. Porém, poucas pessoas notam a qualificação "que crêem em mim". Nem todas as crianças estavam qualificadas para com­partilhar de seu amor, apenas aquelas que estavam entre seus seguidores. De fato, ele está falando da insignificância das crianças, dizendo com efeito que "até uma criança que me segue é importante" . A ênfase não está nos pequeni­nos, mas na importância dele.

Como vimos no Pai Nosso, as mais conhecidas e apreciadas palavras de Jesus são também, ironicamente, as mais propícias a ser questionadas. "Pai nosso que estais no Céu" não foram palavras inventadas por Jesus: parece que João Batista também as usava na mesma época e, de qualquer modo, sua origem está nas preces a Osíris-Amon. O mesmo se dá com o Sermão da Mon­tanha; Bamber Gascoigne diz em seu livro The Christians: "Não há nada no Sermão da Montanha que seja originalmente exclusivo de Cristo". Mais uma vez, descobrimos que Jesus fala palavras que foram atribuídas primeiro a João Batista. Por exemplo, no Evangelho de Mateus (3:10) João diz: "... toda árvore, pois, que não dá bom fruto, será cortada e lançada no fogo". Mais adiante, no mesmo Evangelho, Jesus repete essa metáfora palavra por palavra, acrescentan­do: "Vós os conhecereis, pois, pelos seus frutos".

Embora seja improvável que Jesus alguma vez tenha feito o discurso que hoje conhecemos como Sermão da Montanha, é provável que este real­mente represente os pontos principais de seus ensinamentos - tal como com­preendidos pelos autores dos Evangelhos. Embora pelo menos um trecho seja já amplamente reconhecido como parte da mensagem de João, o Sermão é sem dúvida complexo: inclui afirmações de cunho ético, espiritual e mes­mo político, e portanto merece um exame mais cuidadoso.

A evidência de Jesus ter tido uma agenda política é excepcionalmente forte. Admitindo isso, muitos de seus ditos mais evasivos passam a fazer sen­tido. O Sermão da Montanha parece consistir numa série de declarações de uma única linha, que são particularmente reconfortantes pela autoridade com que são proferidos, tais como "Bem-aventurados os limpos de coração porque verão a Deus". Entretanto, os cínicos talvez as considerem como uma mera seqüência de chavões ou de absurdas promessas ("Bem-aventurados os humildes porque herdarão a terra").

Afinal, todos os revolucionários históricos tentaram tornar-se populares entre as pessoas comuns, especialmente dirig­indo-se aos desassistidos e despossuídos, exatamente como hoje os políticos fazem suas promessas aos desempregados. Isso se encaixa em sua agenda de um modo geral: seus repetidos ataques aos ricos são uma parte essencial de seu apelo junto ao povo, já que os ricos sempre foram o foco para os descontentes.

Permanece o fato de que as palavras de Jesus - "ame seus inimigos/ bem-aventurados os mansos/bem-aventurados os misericordiosos" - parecem ser as de um homem cheio de compaixão, amor e carinho. Fosse ou não o Filho de Deus, ele parece ter incorporado um espírito maravilhoso.

Se demonstramos um certo cinismo sobre o homem e suas motivações, é somente porque acreditamos que as evidências sugerem que tal se justifica. Para começar, como vimos, as palavras de Jesus, ao menos como registradas nos Evangelhos, são com freqüência ambíguas e patentemente contraditórias, e às vezes revelam ter sido originalmente proferidas por João Batista.

Mesmo assim, pode-se pensar que nossas próprias hipóteses são contraditórias: se por um lado questionamos as motivações de Jesus e mesmo sua integridade, por outro lado o vinculamos fortemente ao culto de Ísis, pleno de amor e compaixão. No entanto, não há qualquer contradição nisso: ao longo da história, homens e mulheres foram atraídos pelos mais diferentes sistemas políticos e religiosos, dos quais se tornaram fervorosos adeptos, ap­enas para utilizá-los, tempos depois, para alavancar suas próprias causas, talvez até mesmo persuadindo a si próprios de que seus corações visavam apenas os melhores interesses da organização.

Assim como a história tem demon­strado que o cristianismo - que se auto-proclama a religião do amor e da compaixão - produziu filhos e filhas que viveram vidas bem menos do que exemplares, também a religião de Ísis muitas vezes aviltou a natureza humana ao longo dos anos.

Portanto, Jesus era um mago que operava prodígios e que arrebanhou as multidões porque as entretinha. Expulsar demônios devia ser um espetác­ulo sensacional e assegurava que o exorcismo fosse fonte de comentário durante meses após ele ter deixado o lugarejo.

Tendo conquistado a atenção das multidões, Jesus começou a pregar, a fim de se estabelecer como o Messias aguardado.

Porém, como vimos, Jesus começou como discípulo de João, o que colo­ca a seguinte questão: teria o Batista as mesmas ambições? Infelizmente, em virtude da escassa informação disponível, só podemos especular. E embora a imagem que temos de João dificilmente seja a de um arrivista político, nosso conceito sobre essa figura fria e severa vem das páginas da propaganda do movimento de Jesus - os Evangelhos do Novo Testamento.

De um lado, Herodes Antipas mandou prender João (de acordo com o relato mais confiáv­el de Josefo) porque o considerava um potencial subversivo, mas pode ter sido mais uma manobra preventiva do que uma reação a algo que ele real­mente disse ou fez. De outro lado, os seguidores de João, incluindo os madi­anitas, não pareciam perceber nenhuma ambição política em seu líder, mas isso talvez porque ele foi preso antes de poder mostrar sua verdadeira face ­ou simplesmente porque nada sabiam de suas motivações secretas.

O acontecimento que marcou o início da atuação de Jesus parece ter sido a Multiplicação dos Pães. Os Evangelhos o descrevem como uma es­pécie de piquenique miraculoso, em que o anfitrião assombra as pessoas ao multiplicar o magro suprimento de cinco pães de cevada e dois pequeninos peixes para poder alimentar a todos.

Na época, porém, a história tinha um significado profundo que se perdeu: primeiro, o milagre é totalmente diferente de qualquer outro atribuído a Jesus - os outros dirigidos ao grande público eram todos relacionados com a cura de um modo ou de outro. Se­gundo, os próprios Evangelhos sugerem que há algo significativo sobre o acontecimento que nem mesmo eles conseguem entender.

O próprio Jesus reforça isso ao dizer misteriosamente: "Vós buscais-me, não porque vistes os milagres, mas porque comestes dos pães." Pelo menos no Evangelho de Marcos, ninguém fica maravilhado com o evento. Como diz A. N. Wilson:

O milagre ou sinal se concentrava na alimentação, não na multiplicação do pão. Realmente, é notável que no relato de Marcos ninguém expresse o menor assombro perante esse episódio.

Quando Jesus limpa um leproso, ou cura um cego, o acontecimento geralmente deixa todos "assombrados" ou "maravilhados". Não há qualquer assombro em Marcos.

A importância da alimentação da multidão não estava em sua natureza para-normal. É possível que os autores dos Evangelhos tenham inventado a parte miraculosa da história porque sabiam que tinham de fazê-la sobressair-­se por alguma razão, mas não sabiam exatamente por quê.

O ponto central é que havia, de acordo com os Evangelhos, cinco mil homens - deve ter havido também um número não especificado de mulheres e crianças, mas estas são irrelevantes para essa história em particular. O relato de início fala em cinco mil pessoas, mas especifica mais tarde que era uma multidão de homens. Há um significado especial nisso: enfatiza-se que Jesus os fez sentar-se todos juntos. Como nos diz A. N.Wilson:

Fazer os homem se sentarem! Fazer os essênios se sentarem! Fazer os fariseus se sentarem! Fazer Iscariotes se sentar... e fazer Simão, o Zelote, se sentar, com seu bando patriótico de guerrilheiros terroristas! Sentai-vos, ó homens de Israel!

Com efeito, Jesus estava fazendo com que facções até então em guerra se sentassem pacificamente para uma refeição ritual em conjunto. Segundo argumenta A. N. Wilson, parece que houve literalmente uma reunião de clãs, uma maciça assembléia de antigos inimigos, que temporariamente pelo menos se uniram a Jesus, o ex-discípulo de João Batista.

A própria linguagem que Marcos (6:39-40) utiliza é extremamente indicativa de um acontecimento militar:

E então mandou-lhes [os discípulos] que os fizesse recostar a todos, em ranchos, sobre a relva verde. E recostaram-se em fileiras de cem e de cinqüenta.

De acordo com o Evangelho de João (6:15) foi como resultado direto da multiplicação dos "pães" que o povo passou a querer Jesus como rei. Foi claramente um grande evento, mas parece ter mais do que o significado óbvio, porque ocorreu imediatamente após a decapitação de João. Como a história é contada em Mateus (14:13):

E, tendo Jesus ouvido isto [a morte de João], retirou-se dali numa barca a um lugar solitário afastado; e, tendo sabido isto as turbas, seguiram-no a pé das cidades.

Jesus talvez tenha ficado tão pesaroso com a notícia da morte de João que sentiu necessidade de buscar a paz do deserto, a qual infelizmente foi logo quebrada pela chegada de uma horda de pessoas que queriam ouvi-lo pregar. Talvez precisassem assegurar-se de que os ideais de João não tinham morrido com ele e que sua continuidade estava garantida através de Jesus.

De qualquer forma, a morte de João foi muito significativa para Jesus. Preparou o caminho para que ele se tornasse líder do grupo e, possivelmente, de todo o povo. É provável que Jesus já tivesse assumido o movimento de João após a prisão deste, e quando as pessoas ficaram sabendo da subseqüente ex­ecução do Batista, acorreram para seguir seu lugar-tenente, Jesus.

Existem muitas perguntas sem resposta no episódio do encarceramen­to de João; mais uma vez, parece que os Evangelhos estão escondendo algo de nós. Dizem que João foi preso por ter censurado o casamento ilegal de Herodíades e Herodes, embora o relato de Josefo afirme que João era visto como uma ameaça potencial ou real ao seu governo. Josefo não fornece de­talhes em seu relato das circunstâncias da morte do Batista ou da maneira como ele foi executado. E depois há a abrupta mudança de sentimento de João com respeito ao messiado de Jesus: talvez ele tenha ouvido algo sobre Jesus na cadeia que o fez duvidar. E, como vimos, há algo obviamente insatisfatório sobre as razões dadas para a morte de João: de acordo com os Evange­lhos, Herodes caiu em uma armadilha montada por Herodíades para matar João, usando Salomé como intermediária.

Existem muitos problemas com o relato dos Evangelhos sobre a morte de João. Contam-nos que Salomé, agindo sob as instruções de sua mãe Herodíades, pede a Herodes a cabeça de João Batista - e ele concorda, embo­ra com relutância. Esse enredo é extremamente improvável: pelo que hoje se sabe sobre a extensão da popularidade de João, Herodes dificilmente seria tolo o bastante para matá-lo apenas por um capricho perverso. João Batista pode ter sido uma ameaça enquanto vivo, mas seria de supor que ele se tor­naria ainda mais perigoso como um mártir. Herodes, é claro, pode ter consid­erado que valia a pena correr o risco e exerceu sua autoridade, sem se impor­tar com a quantidade de seguidores do Batista. Nesse caso, ele teria ordenado diretamente a execução de João e com certeza não teria tomado tal atitude, sobre uma questão tão séria, apenas para satisfazer sua sádica enteada. Dadas as circunstâncias, parece estranho que não tenha ocorrido uma agitação civil em grande escala, ou mesmo um levante. Como vimos, Josefo registra que o povo atribuiu a esmagadora derrota do exército de Herodes, pouco tempo depois, à retaliação divina pela morte de João, o que no mínimo revela que a tragédia teve um grande e poderoso impacto.

Entretanto, não ouve nenhum levante. Em vez disso, toda a tensão foi distendida por Jesus, que, como vimos, imediatamente reuniu os cinco mil e os alimentou. Teria ele acalmado o povo? Teria conseguido confortá-los da morte de seu amado Batista? É bem possível, mas não há qualquer menção sobre isso nos Evangelhos. Com certeza, entretanto, muitos dos discípulos de João passaram a ver em Jesus o sucessor de seu líder morto.

Então a versão dos autores dos Evangelhos da morte de João faz pouco sentido. Por que teriam precisado inventar uma história tão enrolada? Afinal, se fosse simplesmente para diminuir o número de seguidores de João, pode­riam ter feito da morte dele o primeiro martírio do cristianismo.Em vez disso, a descreveram como uma sórdida intriga palaciana - Herodes se dá por satis­feito em ter João como prisioneiro, por isso é preciso ludibriá-lo para que execute João. Mas por que razão teriam os autores se esforçado tanto em apresentar Herodes como um homem decente, trapaceado pela artimanha de duas mulheres a tomar uma medida tão terrível? Parece, portanto, que houve uma intriga palaciana ao redor da morte de João, bastante conhecida para que os autores dos Evangelhos a ignorassem. Porém, ao reescrever a história para adaptá-la a seus próprios fins, eles sem querer criaram um absurdo.

Herodes Antipas não obteve nenhum benefício com a morte de João ­a censura do Batista ao seu casamento estava provavelmente bastante difundida e o estrago já havia sido feito. Na verdade, deu-se o inverso: a morte de João tornou as coisas ainda mais difíceis para ele.

Então, quem se beneficiou com a morte de João? De acordo com a teóloga australiana Barbara Thiering, circularam rumores na época de que a facção de Jesus foi a culpada. Por mais chocante que tal hipótese pareça à primeira vista, nenhum outro grupo se beneficiou mais com a eliminação de João Batista. Só por essa razão os partidários de Jesus não deveriam ser negligenciados, se, como suspeitamos, a morte de João foi na verdade um assas­sinato muito bem tramado. Afinal, sabemos que ele duvidou da identidade do seu rival na prisão, no que foi, possivelmente, o seu último pronunciamento público.

Entretanto, alimentar suspeitas é uma coisa; encontrar evidências corroborativas é outra completamente diferente. Passados dois mil anos, é im­possível, certamente, encontrar pistas claras e diretas sobre o que de fato aconteceu, mas é ainda possível descobrir evidências circunstanciais que, sem dúvida, nos fazem parar para refletir. Afinal, como vimos, deve ter havido razões específicas para o tratamento frio que a tradição joanina, os hereges, dispensam a Jesus, e, no ponto mais extremo, para a ativa hostilidade dos mandianitas contra ele. As razões recaem nas circunstâncias da morte de João.

Curiosamente, embora esse deva ser um dos episódios mais conheci­dos do Novo Testamento, só sabemos que a filha de Herodíades se chamava Salomé graças a Josefo. Os autores dos Evangelhos cuidadosamente evitam mencioná-lo, embora registrem os nomes de todos os outros principais envolvidos. Estariam escondendo deliberadamente o nome dela?

Jesus tinha uma discípula chamada Salomé. Entretanto, embora ela seja citada como uma das mulheres que estava aos pés da cruz e acompanhou Madalena até a tumba no Evangelho de Marcos, em Mateus e Lucas - que usaram Marcos como fonte - ela desaparece misteriosamente.

Mais ainda, vimos antes a curiosa omissão do aparentemente inócuo episódio no Evange­lho de Marcos, revelado na obra de Morton Smith, The Secret Gospel:

Ele então chegou a Jericó. E a irmã do jovem que Jesus amava estava lá com sua mãe e Salomé, mas Jesus não os recebeu.

Ao contrário do episódio da ressurreição de Lázaro, não há aqui uma razão óbvia para se omitir essa passagem. Assim, parece que os autores dos Evangelhos tinham motivos para não nos apresentar Salomé. (Entretanto, ela aparece no Evangelho de Tomé - um dos textos do Nag Hammadi -, onde dorme em um sofá com Jesus, no perdido Evangelho dos Egípcios, e no Pistis Sophia, onde é descrita como discípula e catequista de Jesus.) Admi­timos que Salomé era um nome comum, mas o fato de que era importante o suficiente para ser removido tão cuidadosamente pelos autores dos Evange­lhos tem o efeito de atrair mais nossa atenção para a Salomé que seguia Je­sus.

Com certeza João Batista se tornara uma espécie de empecilho para o dissidente movimento de Jesus. Mesmo encarcerado ele conseguiu que suas dúvidas sobre o ex-discípulo se tornassem públicas - e eram dúvidas tão preocupantes que, como vimos, João indicou Simão Mago como seu sucessor oficial, não Jesus. Então esse carismático profeta, com seu considerável número de seguidores, é morto por um capricho da família de Herodes, que não po­deria ser tão ingênua a ponto de subestimar a possível reação do povo.

Como vimos, Hugh Schonfleld e outros estudiosos argumentam de modo convincente sobre a existência de um grupo obscuro que parece ter facilitado a missão de Jesus, e eles podem ter considerado prudente remover o Batista de uma vez por todas. A história está repleta de exemplos de mortes convenientes, como as de Dagoberto II e Thomas à Becket, que de uma tacada só removeram tanto os dissidentes quanto o obstáculo final à ambição do novo regime.

Talvez a execução de João entre nessa categoria. Poderia esse grupo ter decidido que era hora de remover de cena o grande rival de Jesus? É claro que o próprio Jesus poderia nada saber sobre o crime cometido em seu próprio beneficio, assim como Henrique II nunca teve a intenção de que seus cavaleiros assassi­nassem o arcebispo Thomas à Becket.

O grupo por trás de Jesus parece ter sido influente e rico, de modo que bem poderiam ter tido contatos dentro do palácio de Herodes. Sabemos que isso não é impossível porque até mesmo os seguidores imediatos de Jesus tinham pelo menos um contato conhecido no palácio: os Evangelhos citam sua discípula Joana como a mulher de Cusa, procurador de Herodes.

Qualquer que seja a verdade, o fato é que havia alguma coisa de errado na relação entre Jesus e o Batista, algo que os hereges sustentaram por séculos e que os estudiosos finalmente começaram a reconhecer – no mínimo que eles eram rivais. A antipatia dos hereges por Jesus pode estar baseada na idéia de que ele não passava de um inescrupuloso oportunista, que explorou a morte de João em seu próprio beneficio ao tomar as rédeas do movimento com uma pressa indecente - especialmente se o sucessor legítimo de João era de fato Simão Mago.Talvez o mistério em volta da morte de João forneça a chave para a inexplicável ênfase na veneração do Batista, em detrimento de Jesus, entre os grupos que vimos discutindo ao longo de nossa investigação.

Como vimos, os madianitas se referem a João como o "Senhor da Luz", enquanto difamam Jesus como um falso profeta que desviou seu povo do verdadeiro caminho - tal como ele é retratado no Talmude, onde também é descrito como feiticeiro. Outros grupos, como o dos templários, parecem ter tido uma visão um pouco menos radical, embora também venerassem João em vez de Jesus. Tal fato encontra suprema expressão no quadro A Virgem dos rochedos, de Leonardo, e é reforçado pelos elementos encontrados nas outras obras que discutimos no Capítulo Um.

Quando percebemos pela primeira vez a obsessão de Leonardo com a supremacia de João Batista, nos perguntamos se isso seria apenas um capri­cho. Entretanto, após investigar exaustivamente o volume de evidências indi­cando a existência de um culto difundido a João, chegamos à conclusão de que tal culto não apenas existia, como existira desde sempre paralelamente à Igreja e mantendo seu segredo bem guardado. A Igreja de João teve muitas faces ao longo dos séculos, como a dos antigos monges guerreiros e seu braço político, o Monastério de Sion. Muitos veneram secretamente João quando se ajoelham perante "Cristo" - como vimos, o Monastério, que dá aos Grão-Mes­tres de sua Ordem o título de "João", começou essa tradição com "João II". Pierre Plantard de Saint-Clair explica isso com o que parece ser um non sequitur: "João I" está reservado para Cristo.

É claro que fornecer argumentos sólidos para a existência de grupos que acreditavam ser Jesus um falso profeta, ou mesmo que ele tivera alguma participação na morte de João Batista, não é o mesmo que provar que as coisas foram realmente assim. O certo é que as duas Igrejas existiram lado a lado por duzentos anos: a Igreja de Pedro que declara Jesus não só como o homem perfeito mas como o próprio Deus encarnado, e a Igreja de João que vê em Jesus exatamente o oposto. Pode ser que nenhuma das duas tenha o monopólio da verdade, e que aquilo que vemos refletido nessas facções opos­tas é apenas a continuação da velha rixa entre os discípulos dos dois mes­tres.

No entanto, o próprio fato de existir uma tradição como a Igreja de João sugere fortemente que já é mais que tempo de fazer uma reavaliação radical do caráter, do papel e do legado de João Batista e Jesus "Cristo". Aqui, porém, há muito mais do que isso em jogo.

Se a Igreja de Jesus foi erigida sobre a verdade absoluta, então a Igreja de João foi erigida sobre a mentira. Se a situação, porém, for inversa, então esta­mos frente à possibilidade de uma das mais terríveis injustiças históricas. Não estamos dizendo que nossa cultura tem venerado o Cristo errado, pois não há qualquer evidência de que João pretendeu exercer esse papel, ou que tal papel tenha mesmo existido, nos termos em que hoje o entendemos, até Paulo o ter inventado especialmente para Jesus. De qualquer modo, João foi assassinado por seus princípios, e estes, segundo acreditamos, provinham diretamente da tradição da qual ele tomou o ritual do batismo.

Era a antiga religião da gnose individual, da iluminação, da transformação espiritual do indivíduo - os mis­térios do culto de Ísis e Osíris.

Jesus, João Batista e Maria Madalena pregavam essencialmente a mesma mensagem, mas, ironicamente, essa não era o que a maioria das pessoas supõe ser. Esse grupo do primeiro século levou para a Palestina sua forma de intensa consciência gnóstica do Divino, batizando aqueles que buscavam esse co­nhecimento místico para si mesmos, iniciando-os na antiga tradição oculta.

Também eram parte desse movimento Simão Mago e sua consorte Helena, cuja magia e milagres eram, como aqueles associados a Jesus, uma parte intrínseca de suas práticas religiosas. O ritual era uma parte fundamental desse movimen­to, desde o batismo inicial até a representação dos mistérios egípcios. A ini­ciação suprema, porém, vinha através do êxtase sexual.

Entretanto, nenhuma religião, não importa o que ela professe, garante superioridade moral ou ética. A natureza humana sempre se intromete, criando seus próprios sistemas híbridos, ou, em alguns casos, a religião se torna um culto à personalidade. Esse movimento pode ter sido essencialmente ligado a Ísis, com toda ênfase no amor e na tolerância que a religião busca inspirar, mas mesmo em sua terra natal, no Egito, havia muitos casos registrados de cor­rupção entre os sacerdotes e sacerdotisas. E nos dias turbulentos da Palestina do primeiro século, quando os homens febrilmente buscavam um messias, a mensagem confundiu-se com a ambição pessoal.

Como sempre, quanto mais elevados os interesses, maior a probabilidade de se abusar do poder.

As conclusões e implicações desta investigação serão novidade para a maioria dos leitores e, sem dúvida, chocarão a muitos. No entanto, como espe­ramos ter mostrado, esses achados surgiram passo a passo enquanto procurá­vamos as evidências. Na maior parte dos casos, baseamo-nos em estudos contem­porâneos - que muitas pessoas jamais pensaram ser tão numerosos. E no final, pelo menos, o quadro que surge é muito diferente daquele que conhecemos.

Esse novo quadro das origens do cristianismo e do homem em cujo nome a religião foi fundada, encerra as mais espantosas e amplas implicações. E em­bora tais implicações possam ser novidade para a maioria das pessoas, são reconhecidas há séculos por uma camada particularmente tenaz da sociedade ocidental. É estranhamente perturbador considerar, mesmo por um momento, a possibilidade de que os hereges estavam certos.

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