terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Forrest Gump - O Contador de Histórias

Esta postagem além de homenagear a interpretação de Tom Hanks, é também uma referência da maneira que interpreto minha vivência em Gaia. Sempre que começo a contar minhas experiências até então com 54 anos de vida, olho meus interlocutores, e sinto a sensação de ser um FORREST GUMP...

Forrest Gump é uma das obras mais cativantes que o Cinema já construiu. O filme possui elementos inéditos em relação ao tempo que foi lançado e consagra Tom Hanks como um dos melhores atores de todos os tempos. A história do filme é apaixonante e abusa da sua simplicidade permanente. A trajetória de Forrest Gump ilustra muito bem a história contemporânea dos EUA, através de uma forma riquíssima, irreverente e carinhosa.

O filme começa com uma pena caindo, aleatoriamente, nos pés de Forrest. Depois desse momento de suma importância para se entender a alma do filme, que explicarei mais adiante, Gump começa a contar sua história, sentado num banco de uma parada de ônibus. De imediato, percebemos que Gump é a ingenuidade e inocência em pessoa, e isso favorece para que a sua história seja mais linda e emocionante ainda.

A medida que nos aprofundamos na narrativa de Gump, vamos nos identificando pelo seu personagem e criando uma relação tão consistente com o filme, que acabamos envolvidos por todos os momentos da obra. Acompanhamos a infância de Forrest, e logo no ínicio, conhecemos Jenny, sua única e verdadeira paixão. O filme lança mão dessa simbiose entre os dois personagens e concretiza todos os aspectos necessários, para que mais tarde, o filme se desenvolvesse de forma mais fluente, usando a dialética Gump-Jenny como pilar para que a história proceda.

A vida juvenil de Gump é a típica vida de qualquer americano daquela época, e nesse momento, percebemos a primeira de muitas qualidades do personagem: a sua capacidade de correr. Forrest usará essa artimanha durante sua vida toda {inclusive durante uma sequencia toda do filme}. Foi essa capacidade que permitiu Gump ser jogador na faculdade e permitirá, mais tarde, que ele se torne ícone americano {explicarei mais tarde esse momento de sua vida.}

Entrando na vida adulta de Forrest, percebemos que ele viveu uma fase turbulenta, que envolveu Guerra do Vietnã, Manifestação Pública, Campeonatos pelo Exército. No período em que passa pela Guerra, Gump continua sendo a mesma criatura dócil e inocente de sempre, e é graças á essas características, que torna Forrest em um grande soldado americano. Desse momento, as primeiras prerrogativas de uma vida adulta invade a existência de Gump, começando a torna-lo mais maduro. Ele ainda nutre veementemente sua paixão pela Jenny, que visivelmente, não sente nada por ele, além de um carinho afetuoso enorme.

Inicia-se aí a fase mais dark de sua vida, quando Gump descobre que Jenny não vive uma vida muito boa, já que ela se rendeu ás drogas e as humilhações machistas típicas daquela época. É nessa fase também que Forrest começa a ter que lidar com a morte: principalmente de seu grande amigo morto em guerra, o Bubba.{criatura mais irritante e bizarra de toda a história do cinema, quem viu o filme, me entende, rs} No entanto, é nessa fase, que Forrest precisará entender que a vida é mais complicada que parece, quando ele percebe que suas atitudes, por mais claras e certas que fossem, não trazia a felicidade esperada. Essa situação é bem dialogada através do personagem de Gary Sinise, o Tenente Dan Taylor. O Tenente é salvo da morte por Gump, mas acaba perdendo ambas as pernas, provocando em Dan um sentimento de revolta por ter sobrevivido. Nesse contexto, Gump começa a ter que lidar com as complexidades - inesperadas - da vida.

Usando como plano de fundo do filme, está toda a história conturbada de um EUA lutando pela posição maior no cenário mundial, tendo que lidar com movimentos hippies e inclusive movimentos étnicos, como os Pantera Negras. Nesse palco, Gump precisa construir sua história, como a figura vencedora do conservadorismo, aquele símbolo americano, que todos deviam seguir. Encontra-se aí, talvez, uma das maiores mensagens ocultas do filme que é a manipulação da sociedade em cima da figura do homem. Gump, mesmo vivendo uma vida agitada, se mantém ingênuo e apaixonado pelos outros. A alma de Forrest não se altera, e reside aí a beleza do filme, ou pelo menos, a razão por tornar o filme em uma obra-prima.

Depois desse período conturbado, o filme lança mão de um cenário mais calmo, onde Forrest se encaminha para uma idade mais madura, vivendo uma aventura nova: dono de um barco de camarões {em homenagem a seu amigo morto na Guerra do Vietnã} ao lado do ainda revoltado Tenente Dan. Vale frisar que Jenny não se mantém, momento algum, após a infância, presente na vida de Forrest, salvo apenas alguns momentos em que se esbarram durante o filme. Nesse momento de sua vida, Forrest começa a pensar, compulsivamente, pelo seu amor perdido. E nós, o público, torcemos para que a relação Jenny-Gump aconteça, mesmo sabendo, que não existe reciprocidade entre eles.

Ao fim do filme, ocorre uma reaproximação de Jenny e Forrest, mas, posteriormente, percebemos que Jenny apenas se rendeu ao amor de Forrest, e decidiu fazê-lo feliz, mesmo que por um breve momento. Antes que notemos, a personagem saí tão repentinamente como entrou, da vida de Gump. Porém, depois desse momento, a vida de Gump se altera definitivamente. Desesperado por perdê-la, Forrest simplesmente decide correr. Ele corre durante quase três anos e meio, tornando-se novamente ícone americano. De imediato, percebemos que aquilo é a fuga de Gump em relação á sua fracassada vida amorosa.

O filme é simplesmente fantástico. A magia da obra não se encontra somente nesse contexto exposto até aqui, mas vai além disso: a direção do filme introduziu aspectos irreverentes no enredo, brincando com o destino de Gump, o tornando responsável pelos passos de Elvis Presley, e criador da música Imagine, de Lennon. O filme, inclusive, coloca Tom Hanks, ao lado, de John Lennon! Lógico que isso não ocorreu, e está aí um dos motivo pelo qual o filme ganhou o oscar de Melhores Efeitos Especiais.

Outro aspecto essencial para o filme, é o brilhantismo de todas as interpretações. Cabe aqui, ressaltar que Hanks nunca conseguirá interpretar tão bem um personagem, como interpretou em Forrest Gump - O contador de Histórias. Admiro, intensamente, a capacidade de Tom Hanks em desenvolver tão excepcionalmente qualquer personagem que seja incubido de intepretar. Os outros atores do filme, como Sinise e Robin Wright {Jenny}, desempenharam muito bem também seus personagens, mas ficaram a sombra do brilhantismo de Hanks e seu personagem, Gump.

Alan Silvestre criou uma trilha sonora tão bem construída, que não posso escrever essa resenha sem citá-lo. As músicas do filme se encaixam perfeitamente com os momentos em que são colocadas, e ouvir Hendrix nunca é demais! Os outros aspectos técnicos do filme são de mesmo esplendor e tornam o filme, em uma obra inesquecível. O filme possui cenas muito bem feitas e é incrível imaginar como eles souberam aproveitar cada minuto do filme.

Bem no final do filme, Jenny finalmente se casa com Gump. No entanto, é obvio que ela se submete a isso apenas porque, estando em estado terminal de AIDS {não fica explícito que é essa a doença, mas se percebe facilmente que é, no mínimo, uma alusão ao período de pandemia da AIDS no mundo}, ela precisa que alguém cuide - pasmem - do seu filho, que também é filho de Forrest Gump! É justamente esse aspecto que dá sentido a vida de Gump e será esse filho que fará com que a vida de Forrest, após a morte breve de Jenny, ganhe algum sentido.

Entra então em cena, uma das melhores cenas do Cinema: o monólogo que Forrest faz consigo mesmo, na frente do túmulo de Jenny. Ele explica o quanto a amou e o quanto ela foi importante na sua vida, e tenta explicar porque essas coisas acontecem. É exatamente nesse momento, que entendemos o motivo da pena no ínicio do filme. Gump fala que existe sim um destino, ao qual devemos estar desprevinidos, mas que cada destino faz parte de um plano maior.

A pena é uma métafora linda do que ele disse, mostrando que apesar dela está a mercê do vento, ela sempre cairá no lugar certo, que no filme, foi aos pés de Gump. A pena voa novamente, quando a história de Gump encerra-se de forma simbólica {quando ele leva seu filhinho, também chamado de Forrest Gump, para a parada do ônibus escolar, em alusão ao ínicio do filme, que também possui essa cena}. A pena voa, aleatoriamente entre as árvores, e termina caindo em nossa direção, terminando o filme com a mensagem de que a sua história também é fantástica, assim como foi a história de Forrest Gump.

Ignorância - Paula & Acid

Ignorância (em sânscrito Avydia) é um conceito e estilo de vida que tem me inquietado nos últimos anos, por isso procurei o Budismo para compartilhar meus pensamentos e refletir mais sobre o que realmente é a ignorância e onde se propaga. Não foi por acaso essa escolha, já que nesta religião achei muitas provocações que me inquietaram ainda mais. Basicamente, fui motivada pelo estudo de como perdemos a concepção da espiritualidade, ou como nos cegamos para o que é essencial nas relações, na nossa sociedade (que compartilhamos juntos mesmo sem parecer que sim), mas principalmente a ignorância de nós com nós mesmos, que é ponto de partida para todas as outras questões. Em outras palavras: como nos tornamos burros e cegos sobre nós mesmos?

A burrice ou a cegueira vem da ignorância. Ainda que sejam muito semelhantes, pode-se dizer que a ignorância é o fato de a mente nada perceber e a cegueira o fato de nada compreender. Podemos comparar essas duas noções à obscuridade: uma obscuridade sem lua, sem estrelas, sem vela, sem luz!

Emocionalmente a cegueira é a base para outras emoções. Por quê? Repetimos um movimento de forma distraída, por vezes sem se dar conta, até que finalmente aquilo que era fluido se torna cremoso, denso. É a mesma coisa em pensar que movimentamos nossas energias sempre em uma determinada direção, até que finalmente acabamos esquecendo a liberdade que nos possibilitou iniciar o processo. Ficamos preso em algum ponto, fisgados. E o pior disso tudo é que seguimos distraidamente RECRIANDO as causas e as condições de nosso sofrimento por aí. Sua Santidade o Dalai Lama costuma resumir a filosofia budista em uma frase: "Faça o bem sempre que possível; se não puder fazer o bem, tente não fazer o mal". Uma das especialidades do budismo é a noção de que o mundo que nos circunda é inseparável de nós mesmos. Assim, se fazemos o bem para os demais seres e para o ambiente, estamos cuidando de nosso próprio bem. Se causarmos mal aos outros e ao ambiente, estaremos causando mal a nós mesmos. Todos estão ligados aos outros, todos dependem uns dos outros. O conceito de interdependência budista também sustenta que nós - e tudo o que nos circunda - não temos a solidez que julgamos possuir. Atribuímos identidades e qualidades a tudo e a todos (inclusive a nós mesmos) a partir de uma visão limitada por um padrão binário de gostar e não gostar, querer e não querer. Assim, construímos mundos adequados às limitações de nossas mentes. Esses mundos que surgem inseparáveis das nossas mentes são chamados de Mandala. A palavra Mandala tem origem no Sânscrito e significa "círculo de cura" ou "mundo inteiro". É uma representação do universo e de tudo que há nele. Mas não se refere apenas a um mundo material, mas à experiência desse mundo com o observador, com os limites cognitivos, com as energias de ação, emoções e com o corpo. Ou seja, o que a física quântica descobriu nos anos 50 sobre o papel do observador na interação inconsciente com o mundo material o budismo já intuía há milênios. Cada mandala surge inseparável de um tipo correspondente de inteligência viva e ativa. Essas inteligências são transcendentes, não-pessoais, não-corruptíveis e livres do tempo. Incessantemente disponíveis, podem ser reconhecidas e acessadas sem esforço ou luta a qualquer momento. A meta budista é sair das mandalas limitadas e chegar às mandalas de sabedoria, isentas do padrão binário de gostar e não gostar (a "Matrix").

Todos os seres aspiram felicidade e proteção frente ao sofrimento. Nossos pais nos ensinam habilidades para nos aproximarmos da felicidade e nos protegermos. Nossos pais, professores e mestres nos ensinam também a disciplina, e com isso ampliamos nossa capacidade de atingir metas difíceis, atravessar ambientes perturbadores e exigentes e suportar as adversidades momentâneas na busca de realizações maiores. O budismo nos ensina a capacidade de reconhecer mundos puros e inteligências puras, de tal modo que, instalados na experiência desses ambientes puros, as ações positivas sejam naturalmente realizadas sem esforço e sem contradição. Esses mundos puros são as mandalas de sabedoria. Quando nos inserimos em uma mandala de sabedoria, adquirimos condições de realmente fazer o que é melhor para nós, para os outros, para a humanidade e o ambiente. Somos capazes de viver o amor e a compaixão com alegria e equanimidade, sem nos deixarmos abater pelas dificuldades que apareçam. O mundo ao nosso redor continua o mesmo, mas nós mudamos nosso olhar (o "observador"), e isso muda tudo. Quanto mais pura e mais ampla a mandala, maior a nossa liberdade e capacidade de gerar o bem. Além da inserção pessoal em mandalas de sabedoria, nós, como agentes da cultura de paz, vamos trabalhar para que os outros também possam fazer o mesmo, que possam migrar para mandalas mais amplas. É a partir do conceito importante de Mandala que a ignorância será aqui representada na Roda da Vida do Budismo Tibetano, não se refere à falta de informação apenas, mas à concepção equivocada da pessoa, especialmente de si mesma, como existindo de forma inerente, e à concepção equivocada de que os fenômenos que fazem parte de seu continuum, como mente e corpo, existem inerentemente.

A Roda da Vida (em sânscrito Bhavachakra) - também conhecida com a Roda da Existência, Roda do Devir e do Vir-a-ser (ou mais conhecida como o Ciclo da Morte e Renascimento) - foi criada pela extinta escola Sarvastivada, precursora do budismo Mahayana. Este diagrama geralmente é encontrado nas portas de entrada dos monastérios tibetanos. Suas ilustrações representam simbolicamente os doze elos da existência interdependente, os seis reinos da existência cíclica e os três venenos da mente. Segundo a tradição, a Roda da Vida foi desenhada pela primeira vez na época do Buddha Shakyamuni. A figura que segura a roda é Yama, o demônio da morte da mitologia indiana. Aqui, sua terrível presença simboliza a impermanência; nenhum ser vivo pode escapar de suas garras. Entretanto, o Buddha está flutuando no céu e apontando para a lua cheia: isto representa que os seus ensinamentos apontam o caminho para a liberação. A parte principal da roda é dividida em seis partes, representando os seis reinos da existência cíclica (no sânscrito, Samsara). Na parte de baixo estão os três reinos inferiores:
- Seres dos infernos (Naraka ou Nairayika, em sânscrito);
- Fantasmas famintos / espíritos carentes (Preta);
- Animais (Tiryak ou Tiryagyona).
Na parte de cima, estão os três reinos superiores:
- Deuses (Deva);
- Semideuses ou antideuses, deuses invejosos, demônios covardes, Titãs (Asura);
- Humanos (Manushya).

Em cada reino há um Buda: Yama Dharmaraja no reino dos infernos; Jvalamukha no reino dos fantasmas famintos; Simha no reino dos animais; Indra no reino dos deuses; Vemachitra no reino dos semideuses; e Shakyamuni no reino dos seres humanos.

No centro da Mandala existem três animais (um javali, um galo e uma cobra), - que representam os três venenos da mente: o desejo (apego), o ódio (aversão) e a ignorância. O javali está focado, pois apesar de ter força, tem uma visão estreita. O javali é a nossa identidade, relativa à nossa ignorância. De dentro da identidade/ignorância brota a atividade sustentadora da ignorância (o galo). Por exemplo, se você se define como professor, você vê o mundo pelos olhos de um professor. A cobra corresponde à raiva, rancor, ódio e medo. Quando temos apego às coisas, precisamos defender essa coisa. A cobra é a defesa da identidade/ignorância e dos atos sustentados pela ignorância. Medo frente à impermanência; medo frente à dissolução. E tudo é impermanente, então o medo é nosso companheiro de jornada na Terra. Ao redor dos animais temos os dois semicírculos, no qual vemos a impermanência na alternância da situação espiritual da pessoa: de um simples mortal a um semideus, e daí pra um demônio, humano de novo, depois um ser involuído, se tornando uma criatura ínfima no "inferno" (a mesma criatura que Shiva esmaga com o pé, naDança de Tandava). A evolução ou involução se dá pelo grau de ignorância da pessoa, e ao realizamos ações virtuosas e não virtuosas - o que leva ao renascimento nos seis reinos da existência cíclica.

Nesse post foram usados trechos do livro "A roda da Vida como caminho para a lucidez", do Lama Padma Santen
Dukkha (a primeira Nobre Verdade do Budismo) pode ser entendido como as paredes que nos isolam e nos conduzem pra uma realidade à parte. O termo em geral é traduzido como "sofrimento", mas não há realmente um correlato específico pra essa palavra sânscrita em nossos dicionários. Dukkha é uma forma de olhar o mundo, um estreitamento da visão, ou melhor, são as aflições que sentimos ao perdermos a capacidade natural de reconhecer a dimensão limitada do espaço diante dos nossos olhos. Imagine uma criança numa reunião de negócios, onde são tratados os assuntos de ações, alta do dólar, conjuntura macroeconômica e o preço das balas juquinha. Tirando talvez o último tópico, provavelmente a criança não se interessará por nada, porque nada daquilo condiz com o seu mundo, nada daquilo agrega informação ao seu viver, não é mais do que pura perda de tempo e conversa fiada. Sua mente estará no Sol lá fora, no que o amiguinho de escola estará fazendo neste momento, ou em alguma coisa que tenha encontrado por ali, como uma bola ou um formigueiro no canto do escritório. Pra os adultos que estão na reunião, aquilo É SOBRE UM MUNDO, seus mundos, um mundo virtual que afeta não só suas vidas diárias como a de milhares de outras pessoas mundo afora. Dali se define o quanto vão ganhar no fim do mês, os milhares de empregados que vão manter, produtos que vão lançar ou não, enfim, aquilo diz respeito a um mundo que não existia, e que foi construído e mantido por homens nas duas últimas décadas (a tal da globalização). Isso gera stress, sofrimento, prazer e uma necessidade de comprometimento constante que equivale a uma algema. Um monge, ou alguém livre dessas amarras, achará aquilo tão irrelevante quanto a criança.

A aflição intensa nos põe em contato com nosso karma. O karma quer dizer ação - um tipo de ação que se repete indefinidamente, formando as estruturas aparentemente sólidas daquilo que podemos perceber como as grades de nossas prisões (como, por exemplo, o mercado de ações e os tópicos da reunião acima). Tudo se passa como se estivéssemos batendo leite pra produzir manteiga: repetimos um movimento de forma distraída, por vezes sem conta, até que finalmente aquilo que era fluido se torna cremoso, denso. Do mesmo modo, se movimentarmos nossa energia sempre em uma determinada direção, acabaremos por esquecer a liberdade que nos possibilitou iniciar o processo. Ficamos presos em algum ponto, somos fisgados. E seguimos distraidamente recriando as causas e condições de nosso sofrimento. Essa experiência cíclica é construída e se mantém como a reprodução incessante de formas variadas a partir da mente. Quando analisamos essas formas aparentemente externas, vemos que elas surgem como experiências inseparáveis de estruturas internas da mente. O nome que se dá a esses mundos é Loka, e essa é a segunda Nobre Verdade do Budismo. É na estrutura interna da mente que Dukkha se instala e opera, gerando os mais diversos tipos de aflições. Sofremos incessantemente, ora por possuir algo que não queremos, por temer perder aquilo que conquistamos, por não ter aquilo que aspiramos, por ter perdido o que nos esforçamos pra obter. Sofremos sem nos dar conta de que, nas bases internas, onde o pensamento repousa, qualquer forma acaba por adquirir qualidades muito sólidas e pesadas. Não mais vislumbramos nenhuma possibilidade de abertura ou flexibilidade. O leite virou manteiga.
Privilegiamos a linguagem discursiva, mas a linguagem verdadeira em que o mundo opera é a linguagem da energia. O mundo não troca palavras, o mundo se movimenta pelo sinal das energias, e o karma se manifesta nessa linguagem, e assim nos impulsiona. Temos muita dificuldade de lidar com isso porque, sempre que uma energia brota claramente em certa direção, achamos que precisamos simplesmente segui-la. E é o processo pelo qual o karma nos domina: o karma movimenta energia. Esses dois conceitos são importantes pra poder adentrar Avydia (a Ignorância), que começamos a delinear em outro post. No círculo externo da Roda da Vida estão os chamados Doze elos do surgimento dependente.São chamados assim porque abrangem a seqüência causal das vidas na existência cíclica. Aqui constituem os detalhes dos estágios de causa e efeito que levam às situações aflitivas da nossa vida. O surgimento dependente da existência cíclica começa com (1-Representado por uma pessoa idosa, cega e manca) a ignorância, que motiva (2-Simbolizado por um oleiro trabalhando um pote de argila.Ele esta transformando a argila em um pote, mas aquilo não deixa de ser argila, apenas foi trabalhada de acordo com as bases mentais do oleiro) uma ação. Ao final da ação é estabelecida uma (3-Representado por um macaco) autoconsciência. Temos então uma identidade, mas não uma materialidade. Isso nos leva ao (4-Representado por um barqueiro atravessando o rio.Ele ainda não chegou à outra margem, não esta em “terra firme”, mas já a ambiciona) "nome e forma". O estágio seguinte é chamado de (5-Representado por uma casa com 6 janelas, 6 aberturas para o mundo, que são os 6 sentidos: visão, audição,paladar, olfato,tato e mente abstrata) esfera dos sentidos. Já de posse dos sentidos, desenvolve-se (6-Representado as vezes por um casa de namorados, às vezes por um bebê no seio da mãe) o contato; do contato (7-Representado por uma mulher enfiando uma flecha no próprio olho.É um tipo de cegueira adicional ao Avydia, quando nos entregamos a uma sensação boa e fechamos os olhos à todo o resto) à sensação; da sensação(8-Representado por duas pessoas bebendo vinho.Quando uma sensação é boa, tendemos a reproduzi-la, expandi-la, a desejá-la não só pra si mas pra quem está ao redor) ao desejo; do desejo, (9-O apego é representado pela pessoa colhendo a fruta na árvore.A árvore é o mundo e a pessoas esta colhendo os frutos que plantou no mundo.Como um advogado que tira seu diploma na OAB, um médico ou um lixeiro, ele é e se identifica com aquilo.Sabe como funciona seu mundo e como tirar sustento dele.Este elo é também chamado de “ação contaminada”) ao apego; do apego, desenvolve-se no fim da vida um estágio chamado de(10-Que poderia também ser chamado de “renascimento”.A pessoa esta estabelecida, realizada e integrada com seu Universo.Pode dizer “Conheço o mundo, sei como as coisas funcionam, tenho experiência. Vou lhe explicar: o mundo é assim...”) existência, e, assim, uma nova vida está para começar com (11-A simbologia do nascimento exemplifica as circunstâncias dessa nova vida estabelecida, as necessidades constantes, as tarefas, as responsabilidades.”Eu sei como é a vida, sou empresário e milhares de pessoas dependem de mim.São responsabilidades das quais não posso fugir”.) o nascimento e continua com (12-E o fim chega com a decrepitude e a morte, que pode ser entendida, como tudo aqui, de forma simbólica:quando perdemos o emprego, perdemos nossa existência ao qual estávamos apegados. O mesmo ocorre nos relacionamentos, nos namoros, amizades, etc.Essa é a chave para a compreensão do budismo, que nos diz que somos tão “reais” quanto o nosso emprego. Você não morre quando perde o emprego, mas de certas forma você” morre”.Então você também não morre quando perde a vida, muito embora de certa forma você morra, mas o budismo ensina que o que você está deixando pra trás ao morrer nunca foi realmente você)oenvelhecimento e a morte.
Como podem perceber, em cada detalhe da Mandala há um significado amplo para se estudar e refletir, e só demos uma pincelada aqui. É algo aparentemente complexo, mas que vale a pena dar tempo e atenção ao que ela quer nos dizer. Enfim, vamos nos deter um pouco no primeiro Elo da Roda da Vida: Ignorância - Avidya "a não-visão";
Este elo é representado por uma pessoa idosa, cega e manca. Idosa, porque a ignorância se dirige ao processo da existência condicionada pelos padrões repetitivos. Cega, porque a ignorância a respeito da verdadeira natureza das pessoas e dos demais fenômenos a obscurece. Manca, porque, não importa quanto sofrimento essa ignorância crie, ela não tem nenhum fundamento válido, não está baseada na verdade e, portanto, pode ser minada pela sabedoria.

Existem dois tipos de ignorância: uma básica e outra secundária.
A ignorância básica é uma consciência que concebe de forma equivocada o status das pessoas e dos outros fenômenos; essa consciência imagina que as pessoas e os fenômenos têm uma solidez maior do que eles realmente possuem, ocasionando as emoções aflitivas, sendo chamada, pois, de consciência que concebe a existência inerente. Ou seja, a ignorância de que há uma permanência em si e nos fatos. Assim, a ignorância básica não é apenas a ausência de conhecimento do status real dos fenômenos, mas uma ativa concepção do OPOSTO - ou seja, a concepção da existência inerente, quando na verdade os fenômenos não existem inerentemente. Percebemos as coisas como se fossem capazes de abranger todas as partes de que são constituídas, quando de fato não existe nada que abranja todas aquelas partes.

A ignorância secundária é ligada apenas às ações não-virtuosas ou negativas - é uma concepção equivocada dos efeitos das ações, que leva a um obscurecimento a respeito até mesmo das relações mais grosseiras entre as ações e seus efeitos. Por exemplo, entender que, se determinada ação é praticada, determinado resultado se seguirá; desenvolver concepções equivocadas, como achar que um roubo trará apenas prazer. Então, esse tipo de ignorância significa que, se realmente soubéssemos o que seria suportar os efeitos futuros de uma ação não-virtuosa, não a realizaríamos. Não cometeríamos assassinato, furto, não praticaríamos a má conduta sexual, a mentira, a discórdia, não diríamos grosserias, traições, leviandades e assim por diante.
"Ser ignorante a respeito de, desconhecer a(s) verdade(s) sobre a natureza da mente e da realidade. (...) isto significa ser ignorante - ignorante pessoal e experiencialmente - sobre a inexistência do ego-self. Também significa as confusões - os pontos de vista e emoções equivocadas de se acreditar em um self - originados dessa ignorância".
(VARELA, THOMPSON E ROSCH, 2003, p. 122)

Na Psicologia Budista existe uma perspectiva que sintetiza na Roda da Vida como iremos nomear e observar o que é identidade e como é visto a realidade que somos e que nos cerca.
Se construirmos o mundo a partir da ignorância, os impulsos de corpo, fala e mente surgirão dessa visão de mundo equivocada que desenvolvemos. Podemos ouvir as palavras de Mestres espirituais e tentar seguir seus conselhos de como utilizar o corpo, a fala e a mente, mas tudo vai parecer muito artificial. Isso porque a sabedoria natural que estaremos usando vai brotar da compreensão que temos do mundo. Da compreensão equivocada de mundo não brota nada além de impulsos equivocados. Mesmo cientes de que os Mestres estão corretos, se não desenvolvermos a visão dos Mestres a nossa ação será contraditória e não veremos solução, nunca teremos descanso, estaremos sempre em conflito interno, nunca teremos um comportamento não-repressivo. Estaremos sempre fazendo esforços para seguir os conselhos dos Mestres. O aspecto do esforço é dramático. De tanto nos esforçarmos, um dia cansamos; quando chegamos nesse ponto, a queda é rápida, e dizemos: "Desisto. Se a espiritualidade fosse natural, eu andaria de forma naturalmente lúcida e válida. No entanto, tudo isso me parece artificial". Parece artificial porque precisamos de esforço constante, nunca encontramos um ponto de equilíbrio, precisamos constantemente relembrar o que ouvimos. De tanto esforço, terminamos desistindo. Equivocadamente, podemos acreditar que a realidade convencional é muito poderosa, muito abrangente. Podemos pensar que, mesmo construindo uma realidade mais elevada, o que existe mesmo é a realidade convencional de dificuldades e sofrimento. Acabamos por desistir de tentar melhorar a nós mesmos e o mundo. O caminho de tentar alterar o comportamento pode ser muito penoso, muito lento e, principalmente, de resultados incertos. Se a pessoa alterar o comportamento sem alterar a visão, é certo que mais adiante cairá novamente. O aspecto cíclico é um processo natural da vida, passamos por altos e baixos. A partir das mandalas de sabedoria teremos efetivamente a visão que permite a ação sem esforço. A visão surge sem esforço porque dentro de uma mandala de sabedoria não lutamos contra nós mesmos, mas vemos e agimos naturalmente. Assim, é essencial gerarmos uma visão de mundo para que as ações surjam de forma natural, sem esforço e sem contradições. As visões de mundo, que podem ser geradas individual e socialmente, potencializam as ações. A ignorância, então, pode também ser compreendida como sofrimento oriundo do estreitamento da visão e da frustração advinda do esforço ineficaz. Tudo se passa como se um raio tivesse partido nossa natureza básica, como se ela estivesse esfacelada, tivesse deixado de existir e ser vista e ficássemos colando pedaços, tentando construir a realidade verdadeira a partir da artificialidade da operação da mente.
O Buda ensinou também os meios de produzir felicidade nas relações humanas: casamento, namoro, filhos, trabalho, estudo. Em primeiro lugar, ao invés de pensar "o que vou obter do outro?", pensar "o que posso oferecer?". Alegrar-se em oferecer! Se estamos na dependência do comportamento do outro para obter felicidade, eventualmente pode até funcionar, mas quando surgir a impermanência e o outro flutuar, entramos em crise. O Dalai Lama sempre brinca, "que tipo de amor é o de vocês, aquele que só existe se o outro sorrir?". Esse tipo de amor está baseado em quanto estamos recebendo e, por isso, é frágil. Praticando assim, podemos usar a vida cotidiana como caminho espiritual, tentando constantemente superar os conflitos internos e trazendo benefícios a todos os seres. Alegria!
Fontes: Padma Samten, "Prática na Vida Cotidiana" e "A roda da Vida".
“Quanto mais sei, mais sei que nada sei”
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